Foto: Gabriel Jabur/Agência Brasília
Foto: Gabriel Jabur/Agência Brasília

Reforma do Novo Ensino Médio: especialistas e professores comentam ampliação de carga horária

Especialistas dizem que ampliação da carga horária é crucial para o sucesso da proposta. Por outro lado, pode prejudicar alunos que estagiam ou fazem cursos profissionalizantes. Estudante relata que modelo não tem funcionado e não trará benefícios

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O Plenário do Senado Federal aprovou, na última quarta-feira (19), o projeto de lei (PL 5.230/2023), que é uma alternativa apresentada pelo governo para substituir o modelo de ensino médio instituído durante a gestão de Michel Temer. A decisão do Senado de alterar o currículo dos três anos finais da educação básica vem sete anos após aprovação do Novo Ensino Médio (NEM). 

Entre as mudanças, o projeto amplia a carga horária mínima anual do ensino médio de 800 para 1.000 horas, distribuídas em 200 dias letivos. Essa carga horária mínima poderá ser ampliada progressivamente para 1.400 horas, considerados os prazos e as metas estabelecidos no Plano Nacional de Educação (PNE).

O texto alternativo à proposta foi apresentado pela senadora Professora Dorinha Seabra (União-TO) e retorna para análise da Câmara dos Deputados.  A senadora destacou que o projeto não significa o fim do debate a respeito de possíveis melhorias para as séries finais da educação básica e defendeu o aprimoramento da oferta de educação básica no país.

"Nós queremos e precisamos que a educação pública brasileira garanta a cada jovem, a cada criança, o direito de aprender, e que essa formação seja robusta e permita a continuidade, quer seja na formação técnico-profissional, quer seja na área acadêmica, seguindo o chamado ensino acadêmico. Quero colocar que esse texto não resume e não atende todos os desafios. Precisamos, sim, de mais investimento e melhoria nas escolas de educação básica", disse.

Novidades: retrocessos ou avanços?

A proposta foi analisada pela Comissão de Educação (CE) e prevê a ampliação da carga horária mínima total destinada à formação geral básica (FGB) das atuais 1.800 para 2.400 horas. Além disso, estabelece a explicitação de quais componentes curriculares compõem cada uma das áreas do conhecimento. 

O texto aumenta, ainda, a carga horária de aulas e fortalece a formação geral básica. E muda as regras para os itinerários formativos, principal inovação da última reforma feita em 2017 (Lei 13.415) – que incluem disciplinas, projetos, oficinas e núcleos de estudo que os estudantes podem escolher nos três últimos anos de escola.

Pelo novo modelo, os itinerários formativos terão carga horária mínima de 800 horas nos três anos de ensino médio, que atualmente são 1.200. Na avaliação da coordenadora do Ensino Médio do Colégio Humboldt, de São Paulo capital, Talita Marcilia, a redução da carga horária dos itinerários formativos significa um retrocesso em comparação à lei de 2017.

“A proposta de alteração do que a reforma do ensino médio previa é um retrocesso, isso não tem como negar, porque é compreensível a crítica de que a atribuição era difícil, que não tinha professores, sobretudo para os itinerários formativos, mas sempre foi consenso que havia necessidade de mexer no ensino médio, ele não vai ao encontro de propostas curriculares de outros países”, afirma.

Talita Marcilia ressalta que outros tópicos poderiam ser modificados, como a remuneração dos professores. “Então, quando a gente retrocede no sentido de fazer as disciplinas em suas caixinhas, quando a gente amplia a formação geral básica, e tira o itinerário formativo, é um retrocesso. Talvez fosse possível pensar em outros ajustes. Nesse contexto, não se pensou em melhorar a remuneração do professor, em fazer um investimento real de formação para o professor”, diz.

Já o professor de séries finais do ensino fundamental e ensino médio da rede pública da área rural de Planaltina, cidade satélite do Distrito Federal, Bruno Salles de Oliveira, analisa que sem o aumento da carga horária destinada à formação geral básica as escolas públicas podem ficar em desvantagem quando comparadas às instituições privadas. 

“Porque realmente a escola pública precisa dessa ênfase. Senão, as escolas públicas correm um risco de cada vez ficarem menos vantajosas quando comparadas à escola particular. Mas, ao mesmo tempo, para funcionar bem, as horas/aula que nós temos hoje não são suficientes para que o novo ensino médio funcione bem”, salienta.

“Os estados que adotaram o ensino integral com certeza só têm a ganhar com essas novas propostas que foram apresentadas recentemente”, completa Bruno Salles.

O estudante do 3º ano do ensino médio do Colégio Dr. Zerbini, de São José do Rio Preto, em São Paulo, João Pedro Barretto tem 18 anos e relata que o modelo não tem funcionado por falta de planejamento do Ministério da Educação. 

“Ele em si parece inacabado. Ele tem ideias boas, como as eletivas, as atividades extracurriculares, porém, na prática, tudo isso não funciona. E o MEC não deu instruções para as escolas, instruções claras para as escolas, de como implementar esse novo ensino médio. Isso dificultou muito a vida dos estudantes, porque foi uma transição repentina”, conta o estudante.

Para ele, o novo modelo não trará avanços. “Eu não acho que essas mudanças vão trazer muitos benefícios aos estudantes, não vai trazer porque sem um bom planejamento e clareza no que querem que os estudantes e as escolas façam, fica muito difícil de entender e direcionar tudo”, avalia João Pedro Barretto.

Outras mudanças

O novo projeto também torna obrigatório o ensino de espanhol e a oferta de curso regular noturno em todas as cidades, para alunos que precisem trabalhar. Na avaliação do professor Bruno Salles, o ensino do espanhol poderá beneficiar os estudantes.

“Pouca gente sabe disso, mas o espanhol é a segunda língua mais falada no mundo, ela só perde para o mandarim, só que o mandarim só é falado na Chin e o espanhol é uma língua que é falada em muitos outros países. Acredito que a inclusão do espanhol como língua obrigatória seja um ganho para as escolas”, pontua Salles. 

A nova reforma também possibilita que o currículo escolar ofereça conteúdos que atendam a especificidades e necessidades das diferentes comunidades integradas pelos alunos. Além disso, inclui os estudantes de baixa renda do ensino médio matriculados em escolas comunitárias de educação do campo no Programa Pé-de-Meia, no Prouni e nas cotas para acesso à educação superior.

A respeito da educação em tempo integral, o projeto aprovado pelo Senado autoriza a União a priorizar, na transferência de recursos a estados, municípios e Distrito Federal, as escolas que oferecem matrículas de ensino médio articuladas à educação profissional e tecnológica.

Quando começa a valer 

Pelo texto, haverá uma transição para o novo formato do ensino médio para os estudantes que estiverem cursando essa etapa da educação básica na data de publicação da lei, caso sancionado.

Até o final de 2024, o MEC estabelecerá – com a participação dos sistemas estaduais e distrital de ensino –, as diretrizes nacionais de aprofundamento das áreas do conhecimento. Já no ano letivo de 2025, os sistemas de ensino devem dar início à implementação do currículo.

O projeto também apresenta um cronograma de implementação das alterações no ensino médio. 
 

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