A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) recebeu o pedido de uso emergencial do medicamento Sotrovimab, um anticorpo monoclonal para tratamento da Covid-19. O remédio não teve estudos clínicos conduzidos no Brasil até o momento, o estudo que suporta o pedido foi realizado globalmente e recrutou 1062 participantes, sendo 22 em centros de pesquisa brasileiros.
O diretor geral de medicamentos da Anvisa, Gustavo Mendes, explicou a ação do medicamento. “É um anticorpo, que é fabricado em laboratório para fazer a mesma função que um anticorpo produzido naturalmente, ou seja, neutralizar o vírus. E a proposta da empresa é que esse anticorpo consiga prevenir a hospitalização e mortes em até 85% se aplicados naqueles casos leves a moderados”, disse.
Os anticorpos são proteínas produzidas no organismo que ajudam o sistema imunológico a combater vírus, bactérias e câncer por meio do reconhecimento de antígenos. Com o avanço da biotecnologia, foi possível produzir em laboratório anticorpos monoclonais, ou seja, específicos para uma única região do antígeno.
A nova tecnologia tornou os anticorpos monoclonais importantes ferramentas de diagnóstico em diversos exames laboratoriais. Mais recentemente, os anticorpos monoclonais também têm sido aplicados de maneira promissora na terapia de diversas doenças, sendo largamente utilizados para o tratamento de diversos tipos de câncer.
Covid-19: pesquisadores recomendam aplicação da terceira dose da Coronavac
Covid-19: vacinação para menores de 18 anos ainda aguarda aprovação do Ministério da Saúde
No caso do coronavírus, o medicamento deve ser usado nos primeiros estágios da infecção. A FDA (Food and Drug Administration, autoridade sanitária dos EUA) aprovou o uso emergencial do Sotrovimab em 26 de maio.
O prazo de análise do pedido de uso emergencial do medicamento no Brasil é de 30 dias e não considera o tempo do processo em status de exigência técnica, ou seja, quando o laboratório precisa responder questões técnicas feitas pela agência dentro do processo.
Segundo o infectologista do Hospital Anchieta de Brasília, Cesar Carranza, além das vacinas, outros medicamentos que estão no radar para o tratamento do coronavírus são justamente os anticorpos monoclonais. “Os outros medicamentos tem um mecanismo de ação parecido, eles bloqueiam a ação do coronavírus nos primeiros momentos da infecção. Tem o casirivimabe imdevimabe, tem o banlanivimabe etesevimabe. São medicamentos com nomes bastante difíceis até de pronunciar que são as terapias mais promissoras do momento”, afirmou.
A análise é feita por uma equipe multidisciplinar que envolve especialistas das áreas de Registro, Monitoramento e Inspeção de medicamentos. A equipe vem atuando de forma integrada em todos os processos de avaliação de medicamentos e vacinas para combate à Covid-19.
A pandemia do novo coronavírus teve impactos sem precedentes no Brasil. Além da Covid-19, o País teve que lidar com outra realidade que foi ainda mais evidenciada nesse período: o aumento no consumo de alimentos não saudáveis, especialmente nas camadas mais vulneráveis. Para entender sobre os impactos da Covid-19 na vida de crianças, adolescentes e suas famílias, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) elaborou a pesquisa “Impactos primários e secundários da Covid-19 em Crianças e Adolescentes”. Com duas rodadas de entrevista (uma em julho e outra em novembro de 2020), realizadas pelo Ibope Inteligência, as entidades conversaram com 1,5 mil famílias brasileiras para conhecer a situação do antes e o depois da pandemia.
Os itens abordados na pesquisa foram renda familiar, segurança alimentar, educação e saúde mental. Entre os entrevistados, 53% eram mulheres e a idade geral variou entre 18 e 55 anos ou mais – esse último grupo correspondeu a quase 30% do total.
Entre os entrevistados, 46% se declararam como brancos e o restante se dividiu entre pardos (40%) e negros (10%). A maior parte das entrevistas se concentrou na região Sudeste (44%), seguido das regiões Nordeste (26%), Sul (15%), Centro-Oeste (8%) e Norte (também com 8%). Em relação à condição socioeconômica, a maioria se declarou pertencente à classe C (46%), com ganho entre um e dois salários-mínimos (30%).
Entre os dados que mais chamaram atenção, estão os que envolvem famílias com crianças e adolescentes. Cerca de 44% dos participantes da pesquisa disseram morar com crianças e/ou adolescentes com idade entre 0 e 17 anos. Num comparativo entre julho e novembro, o consumo de alimentos industrializados aumentou nas casas dos brasileiros, período da pandemia. E foi observado que o aumento no consumo desses tipos de alimentos segue maior entre residentes com crianças e adolescentes.
“Não temos dúvidas de que os alimentos industrializados estão cada vez mais baratos e mais acessíveis. Nos últimos anos, de acordo com a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF/IBGE), quando se fala sobre os gastos da população brasileira com alimentação, vemos que tem aumentado muito o gasto com os industrializados também porque eles têm diminuído o valor ao longo do tempo. E isso ocorre em detrimento do consumo de alimentos mais saudáveis”, alerta a oficial de Saúde do Unicef no Brasil, Stephanie Amaral.
Hábitos alimentares de crianças e adolescentes foram alterados na pandemia, segundo pesquisa
Insegurança alimentar aumentou durante a pandemia
Pandemia traz alerta para situação alimentar precária de famílias vulneráveis
De acordo com a pesquisa, em novembro, 54% dos participantes relataram mudanças nos hábitos alimentares em casa – em julho, esse número era de 49%. Entre os entrevistados em novembro, 21% declararam ter aumentado o consumo de alimentos preparados em restaurantes fast food, e 29% aumentaram o consumo de alimentos industrializados. Nas famílias com crianças e adolescentes, o consumo destes alimentos foi ainda maior, chegando a 36% Com refrigerantes e bebidas açucaradas, o fenômeno foi semelhante: 29% responderam que aumentaram o seu consumo durante a pandemia, enquanto nas residências com crianças entre 0 e 17 anos o número chegou a 34%.
“Essa mudança no hábito alimentar a gente já vinha percebendo, ela não é de agora. É uma mudança que, infelizmente, faz parte de uma epidemia global de aumento de peso e da obesidade por conta da alteração no consumo de alimentos. As pessoas estão migrando cada vez mais para alimentos ultraprocessados, com muito sal, gordura, açúcar, aditivos e pouquíssimo nutriente”, explica a chefe de Saúde do Unicef no Brasil, Cristina Albuquerque.
Outro dado preocupante trazido pela pesquisa do Unicef é que muitos brasileiros ficaram sem comer por falta de dinheiro. Cerca de 8% da população com crianças e adolescentes em casa, o que corresponde a 5,5 milhões de pessoas, deixou de comer porque não havia mais dinheiro para comprar.
Jackson de Toni, economista do Ibmec/DF, classifica como complexo o tema da insegurança alimentar no Brasil e acredita ser um desafio enfrentado há muitos anos no País. “Como qualquer País desigual e em desenvolvimento, o Brasil possui uma parte da população muito vulnerável. E a insegurança alimentar atinge exatamente a população de baixa renda.”
“Sempre quando há crise econômica, problemas de desemprego em massa, a grande preocupação que os governos devem ter é exatamente garantir o mínimo para a sobrevivência da população de baixa renda, que gasta a maior parte do que recebe em alimentação”, enfatiza o economista. Para corroborar com essa constatação, o economista também cita a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), do IBGE, realizada em 2017-2018, que indicou que cerca de 60% do orçamento das famílias com até dois salários-mínimos vão para a alimentação.
Os recentes dados da POF também apontam para uma mudança nos hábitos alimentares dos brasileiros. Houve uma redução no consumo de alimentos considerados básicos, como o arroz e feijão: o consumo de feijão variou de 72,8% em 2008-2009 para 60,0% em 2017. O arroz também passou de 84,0% para 76,1%.
“Quando pensamos nessas famílias que tiveram uma renda diminuída, que não têm acesso a alimentos saudáveis, é desafiador para eles ter uma alimentação assim em tempos de crise. Precisamos pensar para além desses tempos de crise”, completa Stephanie Amaral, do UNICEF.
Entre as alternativas citadas pelas especialistas, está a de consumir alimentos da estação (especialmente frutas e verduras) e voltar para o básico de todo brasileiro: arroz e feijão. “Cozinhar é um hábito bom, normalmente associado a hábitos mais saudáveis. É descascar mais e desembalar menos”, sugere a oficial de saúde do UNICEF, Stephanie Amaral.
A manicure Nercília de Melo, 37 anos, é moradora do bairro Jardim Violeta, em Fortaleza (CE). Na casa dela, a alimentação tem que ser dividida entre dois adultos e quatro crianças, com idades entre 5 e 15 anos. “Eles podem comer o que posso dar”, relata.
A rotina alimentar dela e da família, especialmente na pandemia, é trabalhar com o que tem. “De manhã, é um café com pão, depois vem o almoço. E o que sobra do almoço eu dou na janta.”
Nercília confessa que o consumo de industrializados é uma realidade em casa, especialmente entre os filhos. “Eu não como tanto, mas eles gostam muito de mortadela. É mais em conta, né? Mortadela, salsicha. Compro esses produtos porque são mais baratos, não vou mentir. A mortadela dá para comprar e fatiar, então dá para todos. É mais barato para mim que sou mãe.”
E relatos assim não são uma exceção. Stephanie Amaral explica que muitas famílias vulneráveis, especialmente as que moram nas favelas, vivem no que os estudos chamam de “desertos alimentares”. “São áreas em que é difícil o acesso a alimentos frescos, como frutas e verduras. E isso é muito mais predominante em áreas de maior vulnerabilidade, em bairros periféricos. É mais fácil a gente encontrar lojas de conveniência, que vendem alimentos industrializados, do que encontrar uma feira, um sacolão. Isso significa que uma pessoa que mora em bairros assim precisa se deslocar para ter acesso a alimentos saudáveis.”
Com a pandemia, segundo a nutricionista, esse acesso ficou mais difícil ainda, especialmente pelas orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS) de manter o distanciamento e isolamento social. “A pandemia alterou nossa possibilidade de deslocamento, já que, para evitar a transmissão da Covid-19, a gente precisa ficar em casa. São fatores que colaboram para haver essa mudança no padrão de alimentação e para que as pessoas consumam mais alimentos industrializados”, constata.
“A gente come o que tem.” A frase dita por Lúcia Helena dos Santos, 59 anos, poderia ser apenas uma história isolada em meio à pandemia. Desempregada e moradora da favela de Paraisópolis, considerada a segunda maior comunidade de São Paulo, Lúcia Helena faz parte de uma estatística de mudanças alimentares em meio à pandemia – e nem sempre para melhor.
Em dois momentos distintos (julho e novembro de 2020), uma pesquisa do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), realizada pelo Ibope Inteligência, entrevistou 1,5 mil pessoas e famílias em todo o Brasil para entender como o novo coronavírus afetou a vida dos brasileiros. O estudo, intitulado “Impactos Primários e Secundários da Covid-19 em Crianças e Adolescentes”, aponta que, durante a pandemia, mais de 20,7 milhões de brasileiros afirmaram ter deixado de comer porque não havia dinheiro para comprar alimentos. A região Norte concentra a maior porcentagem de entrevistados que informaram ter passado por essa situação (23%). No Sudeste, onde se encontra o estado de São Paulo, 11% dos respondentes disseram ter ficado sem comida.
Hábitos alimentares de crianças e adolescentes foram alterados na pandemia, segundo pesquisa
Insegurança alimentar atinge 23% das famílias da região Norte
Os dados também mostram que 54% relataram mudanças na alimentação nesse período. O consumo de alimentos industrializados aumentou: em julho, 23% relataram consumir esse tipo de comida; em novembro, o número aumentou para 29%.
“A gente come o que tem, né? Geralmente tem bolacha recheada”, confessa Lúcia Helena. A moradora de Paraisópolis vive com o marido e um filho e afirma que já passou por momentos mais difíceis.
A chefe de Saúde do Unicef no Brasil, Cristina Albuquerque, lembra que a realidade de não ter o que comer por falta de dinheiro foi mais evidente nas classes D e E, como mostra a pesquisa UNICEF/Ibope - 30% dos respondentes dessas classes declararam que deixaram de comer em algum momento porque não havia dinheiro para comprar mais comida. “São famílias mais vulneráveis e, ainda mais preocupante, famílias com crianças e adolescentes”, alerta.
Os dados revelam que 8% dos residentes com crianças e adolescentes – o equivalente a cerca de 5,5 milhões de brasileiros – mencionaram na pesquisa que ficaram sem comer em algum momento da pandemia por falta de dinheiro. Entre aqueles que recebem até um salário mínimo, a proporção chega a 21%. “A gente passa a ter um alerta vermelho para dois problemas, que classificamos como má nutrição: o consumo de alimentos ultraprocessados e não saudáveis, que levam ao aumento de peso e a outros problemas de saúde; e a desnutrição, principalmente das crianças pequenas”, enfatiza Cristina.
A pediatra e especialista em Saúde do Unicef para o Semiárido, Tati Andrade, reforça que a inserção de alimentos industrializados foi maior nos lares com crianças e adolescentes de até 17 anos. “Macarrão instantâneo, achocolatados, biscoito recheado, isso preocupa muito pelo impacto que eles têm na saúde e nutrição. Uma das justificativas é a comodidade para comprar alimentos prontos, isso é realmente preocupante porque sabemos que os alimentos naturais e frescos são muito mais saudáveis.”
Para a pediatra, uma alimentação ruim iniciada já na infância pode ter repercussão durante toda a vida. “Doenças como obesidade, hipertensão, diabetes. São consequências muitas vezes de uma alimentação que não foi saudável e que se prolongou ao longo da vida, trazendo consequências danosas por toda a vida”, afirma Tati Andrade.
Nutricionista e oficial de Saúde do Unicef no Brasil, Stephanie Amaral, também alerta para o acesso mais facilitado a alimentos já prontos. “As escolhas alimentares hoje não são livres de influência. Não é uma escolha somente daquele indivíduo. Elas são influenciadas pelo meio em que a gente vive e a indústria atua muito fortemente no marketing para crianças. Estamos em um mundo que nos chama o tempo inteiro para que a gente coma alimentos industrializados”, pontua.
Stephanie Amaral completa explicando que muitas famílias vulneráveis, especialmente as que moram nas favelas, vivem no que os estudos chamam de “desertos alimentares”. “São áreas em que é difícil o acesso a alimentos frescos, como frutas e verduras. E isso é muito mais predominante em áreas de maior vulnerabilidade, em bairros periféricos. É mais fácil a gente encontrar lojas de conveniência, que vendem alimentos industrializados, do que encontrar uma feira, um sacolão. Isso significa que uma pessoa que mora em bairros assim precisa se deslocar para ter acesso a alimentos saudáveis.”
Lúcia e a família viram a realidade mudar quando começaram a participar do projeto Mães da Favela, coordenado pela Central Única de Favelas (Cufa). Só no estado de São Paulo, o projeto alcança quase 11,5 mil famílias com “vales-mães” e já distribuiu mais de 374,4 mil cestas básicas.
“Ajuda muito. Agora tem arroz, feijão, macarrão... Tem bastante coisa”, avisa Lúcia, mais esperançosa.
A coordenadora da Cufa Paraisópolis, Claudia Raphael, conta o que tem feito para amenizar o sofrimento das famílias da comunidade. “Desde março, estamos com grandes ações de entrega de alimentos. Foram toneladas, até perdi a conta”, partilha. “Na última entrega, foram doadas duas mil cestas pelo governo do estado, pela iniciativa privada, associações.”
Além de alimentos, a Cufa tem se mobilizado com a doação de kits de higiene, fraldas e até recarga de gás. “Além disso, doamos os cartões Mães da Favela, que chamamos de bolsas digitais, uma espécie de cartão alimentação. A mãe tem autonomia para escolher o quer comprar e deixar essa renda no comércio local. Nosso trabalho tem sido principalmente em colocar alimento na mesa das pessoas”, garante Claudia.
Durante a pandemia do coronavírus, a situação de insegurança alimentar se agravou no Brasil. Segundo a pesquisa “Impactos Primários e Secundários da Covid-19 em Crianças e Adolescentes”, elaborada em duas rodadas pelo UNICEF e pelo Ibope Inteligência, a porcentagem de respondentes que declararam que deixaram de comer aumentou significativamente. Em julho de 2020, 6% dos entrevistados afirmaram que, desde o início da pandemia, deixaram de fazer uma refeição porque a comida acabou e não havia dinheiro para comprar mais, o correspondente a nove milhões de brasileiros. Já em novembro, este número aumentou para 13% dos respondentes, representando 20,7 milhões de brasileiros. Desses, cerca de 5,5 milhões eram de lares com crianças e adolescentes.
“Esse aumento da insegurança alimentar está relacionado à combinação de recessão e estagnação econômica, deterioração do mercado de trabalho e o retrocesso nas políticas sociais no Brasil que ocorre desde 2015. Importante ressaltar que essa insegurança alimentar está relacionada também às questões de raça e gênero. Domicílios chefiados por mulheres ou por pessoas pretas e pardas são os que mais apresentam insegurança alimentar”, alerta Kelly Alves, nutricionista e membro do Núcleo Rio de Janeiro da Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável.
Para ela, a Covid-19 apenas evidenciou uma realidade já vivida há tempos por muitos brasileiros. “A pandemia do novo coronavírus trouxe à tona a desigualdade social já existente no País e tem contribuído para piorar ainda mais as condições de vida das pessoas mais vulneráveis, entre elas os moradores das periferias das grandes cidades, como as favelas cariocas.”
Moradora do bairro Estácio, no Rio, Vanessa da Silva Lonziero Coelho, 41 anos, relata um pouco dessa insegurança vivida especialmente durante a pandemia. Atualmente desempregada e mãe de filhos gêmeos de três anos de idade, Vanessa conta que a alimentação não chegou a ser muito alterada em relação ao que era antes disso, mas que muitas vezes teve dificuldade em alimentar a família.
“Normalmente, almoçamos e à noite fazemos um lanche. As crianças às vezes jantam e outras lancham. E nós ingerimos alimentos industrializados. Às vezes por comodidade, outras vezes por necessidade, por falta de tempo mesmo. Como meus filhos são gêmeos, a gente acaba tendo pouco tempo ou eles ficam muito agitados, aí optamos por comidas mais rápidas”, confessa.
Esse é outro dado importante da pesquisa do UNICEF e do Ibope Inteligência. De acordo com o estudo, houve um aumento no consumo de alimentos industrializados durante a pandemia, variando de 23% em julho para 29% em novembro do ano passado. E esse aumento ficou ainda mais evidente em lares com crianças e adolescentes – 36%.
“Essa mudança no hábito alimentar a gente já vinha percebendo, ela não é de agora. É uma mudança que, infelizmente, faz parte de uma epidemia global de aumento de peso e da obesidade por conta da alteração no consumo de alimentos. As pessoas estão migrando cada vez mais para alimentos ultraprocessados, com muito sal, gordura, açúcar, aditivos e pouquíssimo nutriente”, lamenta a chefe de Saúde do UNICEF no Brasil, Cristina Albuquerque.
Hábitos alimentares de crianças e adolescentes foram alterados na pandemia, segundo pesquisa
Pandemia: mais de 20,7 milhões de brasileiros deixaram de comer por falta de dinheiro
Na casa da Vanessa, o consumo de alimentos industrializados em substituição aos alimentos naturais também é motivado pelo preço. “Temos acesso a feira, porém os alimentos naturais muitas vezes são mais caros. Antes, você fazia feira com R$ 50 e hoje com esse valor você não leva nada”, opina a dona de casa. “Não tivemos problema para comer e pagar nossas contas devido à ajuda de familiares. Mas continuamos passando dificuldades, precisando de ajuda financeira”, completa Vanessa.
Stephanie Amaral, nutricionista e oficial de Saúde do UNICEF no Brasil, explica esse fenômeno. “São alimentos cheio de aditivos, que viciam o nosso paladar e que são considerados gostosos. Tem todos esses fatores que são principalmente voltados para crianças e adolescentes.”
E ela alerta para outro fator. “As escolhas alimentares hoje não são livres de influência. Não é uma escolha somente daquele indivíduo. Elas são influenciadas pelo meio em que a gente vive e a indústria atua muito fortemente no marketing para crianças. Estamos em um mundo que chama o tempo inteiro para o consumo dealimentos industrializados”, pontua.
No início da pandemia, a Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável, do RJ, disponibilizou uma cartilha com objetivo de divulgar informações sobre alimentação adequada e saudável e apoiar as pessoas a fazerem melhores escolhas durante a pandemia. Kelly Alves, membro da Aliança, afirma que, antes da cartilha, algumas informações que chegavam aos moradores do Rio, especialmente os que moram em favelas e bairros mais pobres, estavam fora da realidade.
“Percebemos é que muitas orientações tinham uma abordagem com foco principalmente nos nutrientes dos alimentos, apresentando determinados alimentos fontes de certas vitaminas e minerais como se tivessem papel milagroso frente à doença. Essas orientações tinham também uma abordagem desconectada da crescente situação de insegurança alimentar e nutricional de grande parte da população brasileira, ou seja, pessoas que não possuem a garantia do acesso físico e financeiro aos alimentos adequados e saudáveis”, diz.
No processo de elaboração da cartilha, a Aliança contou com a colaboração de membros que residem no complexo do Cantagalo/Pavão-Pavãozinho, Zona Sul do Rio. “Eles nos alertaram de que as orientações deveriam atender aos diferentes perfis de moradores das favelas: tanto aqueles que não tinham o acesso físico ou financeiro aos alimentos quanto os que ainda possuíam condições de comprar seus alimentos”, lembra.
A linguagem do documento, segundo Kelly, é simples e objetiva e ajuda na escolha e no preparo dos alimentos. “Acrescentamos orientações sanitárias necessárias para prevenção da contaminação pelo coronavírus e dicas sobre as compras dos alimentos, visando contribuir para a melhor gestão do orçamento familiar. Afinal, o dinheiro está mais curto para muita gente. É preciso planejar melhor as compras para garantir o abastecimento de alimentos para a família.”
Como os novos gestores podem aproveitar melhor os espaços públicos das cidades e potencializar a agenda municipal? Essas e outras questões foram debatidas no último dia (29) do evento “+Cidades – Desafios e soluções para a agenda dos 100 dias”, parceria da Frente Nacional de Prefeitos (FNP) com o Grupo Houer. O objetivo do encontro virtual, que durou cinco dias, foi levantar a discussão em torno de projetos de concessões, parcerias público-privadas (PPPs) e Agenda 2030 nos municípios.
Os instrumentos de intervenção e a nova agenda urbana estavam entre os temas discutidos nessa sexta-feira (29). O painel foi mediado pelo ex-prefeito de Divinópolis (MG) e hoje consultor do grupo Houer Vladimir Azevedo, que trouxe como convidado Vitor Carvalho, advogado consultor do Senado Federal na área de Desenvolvimento Urbano. Segundo o especialista, o Brasil tem evoluído no que diz respeito às legislações e que é importante que novos prefeitos, vereadores e gestores tenham conhecimento sobre as leis.
Soluções financeiras em meio à crise são pautas de evento +Cidades
Dia “D” do seminário + Cidades explica concessões e PPPs municipais
Evento +Cidades levanta debates que vão de planejamento às execuções municipais
“Por um lado, evoluímos muito nas legislações. Temos muitos instrumentos antigos e novos à disposição dos prefeitos. E por outro lado, ainda tem muita coisa que falta ser construída. Há muitos projetos de lei na Câmara e no Senado nesse sentido. Mas o que interessa é levar aos prefeitos um universo muito grande de instrumentos que já estão aí para auxiliar”, lembra o consultor.
Vitor critica o fato de muitas cidades investirem na evolução horizontal das cidades. “Depende do planejamento de cada município, mas a gente vê muitos municípios que permitem a expansão horizontal de maneira excessiva, o que chamamos de espraiamento. São loteamentos muito distantes, condomínios muito distantes, e isso vira depois um passivo ambiental, um passivo social e um passivo político, porque é muito mais difícil levar serviços públicos para a população espalhada por aí”, alerta Carvalho. “É muito importante que a cidade cresça de maneira ordenada”, completa.
“A ideia é aproveitar ao máximo toda a área urbana que já está construída, que já está loteada e que já tem infraestrutura. E se precisar criar mais área urbana, que seja área contígua, ou seja, lotear o que já está próximo da cidade, e não o que está longe”, sugere Vitor Carvalho.
Leonardo de Castro, ex-secretário de planejamento urbano de Belo Horizonte, acredita que as cidades hoje precisam ser transformadas. “Nossas cidades precisam melhorar. Esse modelo que está aí já provou que não deu certo. Estamos tentando ordenar nossas cidades dessa forma de hoje e conseguimos observar de forma ostensiva que elas não estão bem, basta dar uma volta na rua. Ver o tanto de problema que a gente tem, o tanto de informalidade, gente sem moradia, áreas sem saneamento, um meio ambiente que não responde às nossas necessidades de sustentabilidade e de qualidade de vida”, enumera.
Na opinião de Leonardo, é preciso, sim, aproveitar os instrumentos existentes hoje para executar essas mudanças, mas é preciso aliar a outras formas de mudança. “A gente precisa de um instrumental, a gente precisa de um plano e de meios para executar esse plano. E nesse momento de pandemia, quem estiver mais preparado será menos afetado pelo problema.”
Leonardo de Castro ressalta que é preciso evoluir junto com o mundo. “Estamos falando de cidades mais conectadas, resilientes, inclusivas e sustentáveis. Esse é o mantra que temos que perseguir.”
Vitor Carvalho acredita que esse resultado virá quando houver mudança de paradigmas. “A pandemia nos acostumou a usar a tecnologia até para fazer eventos a distância. Depois de gastar tanto tempo e dinheiro com viagens longas, hoje vemos que não precisava. Então, pegando esse gancho, acredito que ainda tem que desregulamentar muito o que hoje se faz em termos de urbanismo, deixando as pessoas darem o melhor uso para os imóveis e para as cidades.”
O debate seguiu com o tema “Ranking de competitividade dos municípios como ferramenta de gestão”. Tadeu Barros, diretor-executivo do Centro de Liderança Pública (CLP), ressaltou que esses primeiros dias dos novos gestores municipais são essenciais para que os trabalhos ao decorrer dos próximos anos sejam mais tranquilos.
“Costumo dizer que a importância está na frequência, e não na intensidade. Então, em 100 dias de governo eu preciso ter frequência e continuar ao longo dos quatro anos para organizar e orquestrar a casa, para que os frutos possam ser colhidos e os cidadãos tenham serviços públicos cada vez mais dignos, melhores e eficientes”, aposta.
A CLP elabora, há vários anos, um ranking para a promoção da competitividade do Brasil e, em 2020, entrou com um ranking entre os municípios. Ele é composto por 55 indicadores, organizados em 12 pilares e três dimensões. “Ele é fruto de uma ampla reflexão sobre quais são os temas fundamentais para se analisar a competitividade a nível municipal no Brasil”, lembra Tadeu. A edição de 2020 analisa 405 municípios brasileiros, representando os municípios do País com população acima de 80 mil habitantes.
Para que os municípios tenham bons resultados, o sócio-diretor de Novos Negócios do Grupo Houer, Thiago Grego, defende que as lideranças estejam cada vez mais preparadas. “É preciso entender o papel do líder na execução dos projetos. A gente não tem dúvida de que ter uma capacitação técnica é importante, você conhecer o assunto, mas há uma diferença em quem vai executar o projeto e apontar aonde o município quer chegar. Na hora que o líder puxa o projeto, ele faz a diferença”, afirma.
As parcerias público-privadas estiveram presentes nos cinco dias de discussão do evento. O assessor superior de PPPs do município de Canoas (RS) e ex-prefeito de Sapucaia do Sul (RS), Luís Rogério Link. Ele defende que os primeiros dias de gestão são importantes para implantar projetos que podem mudar a vida da população.
“Nos primeiros 100 dias, o prefeito vai mostrar qual será o futuro de sua gestão, se vai ser muito boa ou muito fraca. Hoje, a PPP hoje é a menina dos olhos do governo federal em termos de investimento e infraestrutura. Seria muito interessante que os prefeitos tivessem atenção às PPPs porque existe um apoio do governo federal e de bancos, como o BNDES e Caixa Econômica Federal”, diz Link.
O assessor de Canoas reforça que esse processo não é rápido e que os prefeitos devem se movimentar o quanto antes para levar investimento para os municípios. “A estruturação de um projeto de PPP demora. Então se os prefeitos têm interesse nisso têm que começar hoje”, orienta.
Esse painel, com o tema “PPPs e concessões: oportunidade/ mercado/ cenários”, teve ainda a participação do superintendente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Pedro Bruno. Segundo ele, o BNDES vem diversificando a atuação em desestatização e está presente em diversos setores.
“Com o início dos mandatos, abriu-se uma avenida de oportunidades. A gente tem buscado reduzir ao máximo os prazos para entregarmos projetos de qualidade no menor tempo possível”, garante Pedro.
O evento completo está disponível no perfil do Facebook do Grupo Houer.
Segundo Ministério da Economia, programa BEm é responsável pelo resultado positivo
Apesar da queda de 4,5% do Produto Interno Bruto (PIB), foram gerados 142.690 postos de trabalho no Brasil no ano passado. O dado é do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), divulgado pelo Ministério da Economia.
Em coletiva, o ministro Paulo Guedes afirmou que o Benefício Emergencial para Preservação do Emprego e da Renda (BEm), criado pelo governo federal em meio à pandemia, foi um dos responsáveis por esse número. Segundo Guedes, o programa evitou a demissão de cerca de dez milhões de pessoas em 2020.
Com o programa, empregados e empregadores fizeram acordos de redução de jornada e salário ou de suspensão de contratos. Como contrapartida, o governo pagou uma porcentagem do seguro-desemprego a que o empregado teria direito se fosse demitido, com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).
Municípios receberão mais de R$ 3 bilhões de reais nesta sexta-feira (29)
De acordo com informações do Caged, foram gerados mais de 15 mil empregos e pouco mais de 15 mil demissões entre janeiro e dezembro do ano passado. Em dezembro, o número de demissões superou o de contratações no Brasil, com o fechamento de mais de 67 mil postos de trabalho. De acordo com a pasta, dezembro é considerado um mês “de ressaca” no mercado e essas perdas são comuns.
Ainda segundo dados do Caged, apenas o setor de serviços registrou saldo negativo na geração de empregos em 2020, com o fechamento de mais de 132 mil postos de trabalho. A construção e a indústria lideram o ranking de contratações, com um saldo de 112 mil vagas na construção e 95 mil empregos criados na indústria. Já no mês de dezembro, o comércio foi a única atividade com saldo positivo, com mais 62 mil empregos.
A pesquisa completa está disponível no site do Ministério da Economia, em www.gov.br/economia.
Até 2030, mais de cinco bilhões de pessoas viverão em centros urbanos. Segundo projeção do Fundo de Populações das Nações Unidas (UNFPA), isso equivale a 60% da população mundial. Com o fenômeno da urbanização, é preciso pensar e planejar cada vez mais as cidades, para que haja ocupação adequada dos espaços e para que não faltem cores nas cidades, como o verde das árvores.
É o que planeja fazer a capital sergipana, Aracaju, por meio do programa Cidades+Verdes. O objetivo da ação do governo federal é fortalecer e revitalizar a arborização urbana e proporcionar aos quase 665 mil habitantes do município a seleção e o plantio de dez mil mudas apropriadas para a região. Serão R$ 300 mil de repasse, com prazo de execução do programa de três anos.
De acordo com o Ministério do Meio Ambiente (MMA), que coordena a ação, os recursos do programa serão aplicados em estruturas, equipamentos e insumos necessários para a produção, manutenção e monitoramento das espécies de árvores que serão plantadas em Aracaju. A expectativa é de aumentar a arborização e, com isso, a capacidade de absorção de água, o que ajuda a prevenir enchentes e inundações, problemas que podem degradar o solo e até a qualidade da água.
“Junto ao programa, lançamos um aplicativo chamado CAU, que é o Cadastro Ambiental Urbano. O Cidades+Verdes e o CAU servem para identificarmos onde há mais déficit de áreas mais verdes dentro dos perímetros das cidades fazendo esse investimento de praças, reconstituição de áreas verdes. Com isso, melhoramos a parte de impermeabilização, que ajuda a combater efeitos da enchente, por exemplo, oportunidades de locais de lazer e bem-estar das famílias e uma melhoria da sensação de temperatura e qualidade do ar nas áreas urbanas”, explica o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.
O CAU, citado por Salles, é dividido em Cidadão e Gestor. O primeiro permite o acesso à localização, informações e características das áreas verdes cadastradas pelos municípios e pelo DF, com o objetivo de incentivar o uso destes espaços, entre outros. Já o CAU Gestor permite, de forma gratuita, que gestores municipais, estaduais e distritais cadastrem as áreas verdes urbanas e os espaços potenciais para criação de novas áreas verdes.
O especialista em meio ambiente Charles Dayler comenta a importância de espaços verdes em meio a prédios, asfalto e casas. “Com o processo de urbanização, nós vamos perdendo o espaço verde. A gente sabe que a vegetação, de uma forma geral, exerce uma série de serviços ecossistêmicos. Quando a gente pensa em área urbana e tem redução de área verde, temos um fenômeno que chamamos de ilha de calor. Com menos verde, a temperatura tende a ser maior”, alerta.
Dayler comenta que com o aumento nos termômetros, a tendência é buscar outras formas de se refrescar, como ventiladores e aparelhos de ar-condicionado. “Um dos impactos imediatos de você revegetar uma região é criar um microclima mais agradável, com redução de temperatura, maior umidade, além de outros benefícios”, elenca.
Outra vantagem de se investir em áreas verdes e cada vez mais arborizadas é o cuidado com o solo. “Quando se tem uma área coberta por vegetação, há um cuidado maior de manutenção do solo e, com isso, menos processo erosivo”, avisa Charles. “E onde tem parque urbano, tem população utilizando esse espaço para lazer. Isso traz benefícios para a população, de bem-estar”, completa.
Giovana Matos, analista ambiental, é moradora do bairro de Coroa do Meio, em Aracaju (SE). Para ela, enquanto moradora, a cidade ainda está “dividida”. “Como moradora, considero que existem partes da cidade que sejam arborizadas e outras não. A Zona Norte, por exemplo, é uma região que não tem atenção da prefeitura quanto à arborização, enquanto na Zona Sul já há uma preocupação maior”, dispara.
Hortas comunitárias podem auxiliar no consumo de alimentos mais saudáveis
Ela conta um episódio inusitado, em que a prefeitura, dois anos atrás, fez a atualização de uma avenida. “Para isso, ela tirou todas as árvores do local e isso causou uma comoção na cidade. Mas a avenida foi reformada mesmo e não teve o que fazer, mesmo com a insatisfação da população”, lamenta. A moradora de Coroa do Meio concorda que deve haver mais espaços arborizados nas cidades, com praças e parques. “Isso tudo ajuda no lazer da população e contribui com a qualidade de vida dela.”
Giovana ainda ressalta que com prédios cada vez mais altos e constantes nos municípios, parar para respirar ar puro diante de tanto concreto se torna essencial. “Às vezes, esses espaços ajudam um trabalhador que queira descansar numa área verde, por exemplo. Essas áreas são muito importantes, é preciso pensar em desenvolver as cidades considerando e pensando nelas. Vegetação só traz coisas boas”, frisa.
De acordo com o MMA, inúmeras cidades brasileiras cresceram rapidamente e sem planejamento adequado, o que levou ao mau uso, à degradação e à redução das áreas verdes, contribuindo para enchentes, deslizamentos de terra e outros problemas urbanos. O Cidades+Verdes vem como uma tentativa de ampliar a quantidade e qualidade das áreas verdes urbanas no Brasil.
A iniciativa faz parte de um dos eixos da Agenda Nacional de Qualidade Ambiental Urbana, cujo objetivo é melhorar a qualidade de vida nas cidades, onde vivem 85% dos brasileiros.
Cerca de 96 mil alunos se inscreveram para a primeira versão digital do exame
A versão digital do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) será aplicada no próximo domingo (31). Essa será a primeira vez da aplicação da prova nesse formato. Cerca de 96 mil alunos farão o exame em formato piloto para concorrer a uma vaga em instituições de ensino superior.
A aplicação marca o início das mudanças no Enem. A ideia é que o exame seja totalmente digital até 2026.
E apesar de digital, os alunos que farão essa versão do Enem terão que se deslocar para uma escola, universidade ou faculdade escolhida previamente para responder às questões. Lembrando que a redação será feita à mão, por isso o estudante deve levar uma caneta de tinta preta e corpo transparente no dia.
Enem 2020: estudantes têm até 29 de janeiro para pedir reaplicação da prova
Dia da Visibilidade Trans: avanços são celebrados por quem ainda luta para sobreviver
A diferença é que a prova será feita pelo computador em vez do papel. As questões objetivas serão todas marcadas na tela, assim como o cartão de resposta. Os alunos terão à disposição folhas em branco para usar de rascunho nos dois dias de prova.
Assim como na prova impressa, os participantes farão as provas de linguagens, ciências humanas e redação nesse domingo (31). No segundo dia, marcado para 7 de fevereiro, será a vez das questões de matemática e ciências da natureza.
O tempo de prova e os horários de aplicação também serão os mesmos, cinco horas e meia no primeiro dia e cinco horas no segundo. Os portões também serão abertos a partir das 11h30 e vão ser fechados às 13h, no horário de Brasília (DF).
É obrigatório o uso da máscara durante toda a prova e as salas terão álcool em gel para limpeza das mãos. Candidatos com sintomas de covid-19 ou outra doença infectocontagiosa não devem comparecer aos locais de prova. Eles terão direito a fazer o exame na reaplicação, nos dias 23 e 24 de fevereiro, assim como os estudantes que tiveram problema de logística e os que moram no estado amazonense, por conta do agravamento da pandemia.
Essas e outras informações estão disponíveis em enem.inep.gov.br.
O setor da construção civil piauiense apresentou crescimento pelo terceiro mês consecutivo. Em dezembro de 2020, o nível de atividade igual ao usual apresentou o percentual de 52,2% no Piauí, enquanto a região Nordeste ficou em 45,1%. O percentual do estado é o maior já mensurado desde setembro do ano passado, mostrando uma crescente retomada das atividades.
Os dados são da pesquisa de Sondagem da Indústria da Construção Civil, da Federação das Indústrias do estado do Piauí com a Confederação Nacional da Indústria (CNI), realizada em dezembro do ano passado.
De acordo com a pesquisa, a estabilidade nos empregos em todo o Nordeste no mês de novembro ficou em 58,5%. O estado piauiense, no entanto, superou a marca regional, atingindo 65,2% em relação à evolução no número de empregados na construção civil.
“Não tenho dúvidas de que a ajuda emergencial contribuiu muito para esse resultado. Os números da região como um todo mostram também que os efeitos nocivos da pandemia foram minimizados com esse auxílio. As pessoas estão fazendo mais compras, sobretudo pequenas reformas ou até mesmo construções, e isso realmente acaba alavancando o setor da construção civil”, avalia o presidente do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal (Corecon-DF), César Bergo.
“O setor é o que mais emprega, é o que apresenta maior vantagem nessa geração de empregos”, completa.
Segundo os números da Sondagem, a tendência é de aumento na compra de insumos e matérias-primas em torno de 47% para os próximos seis meses – a projeção para o Nordeste é de crescimento de 38%.
A pesquisa é considerada um termômetro para o setor de construção civil, em especial se indicar aumento de novos empreendimentos e serviços. Mas César Bergo faz um alerta. “A parte ruim é que o preço do material de construção também está subindo, inclusive acima da média da inflação, exatamente por conta dessa demanda.”
A expectativa da pesquisa é de que, até junho, o setor continue nessa evolução. “O ano de 2021 deve mostrar uma pequena recuperação, porque ainda temos que resolver a questão sanitária, mas ainda não o suficiente para voltarmos aos números anteriores à pandemia”, projeta o economista.
29 de janeiro, Dia da Visibilidade Trans. O Brasil celebra essa data liderando um ranking que em nada traz orgulho para nós. Segundo dados do relatório da organização não governamental Transgender Europe (Ong TGEu /2016), quase 900 pessoas trans e travestis foram assassinadas entre 2008 e 2016. Para entender o tamanho do problema, o México contabilizou 256 mortes nesse mesmo período. Estados Unidos somaram 146 assassinatos. Na Turquia, foram 46. Rússia, três. Só no ano passado, segundo levantamento da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), pelo menos 175 pessoas trans e travestis brasileiras tiveram a vida, os planos e a chance de um futuro interrompidos.
Em números absolutos, São Paulo foi o estado brasileiro que mais matou trans e travestis no ano passado, seguido de Ceará, Bahia, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Mesmo com a pandemia, em que o isolamento social se tornou imprescindível, o número de pessoas mortas pela condição de ser quem são não caiu.
“O Brasil vai continuar ainda por muitos anos sendo o País que mais mata trans. Não existe uma política pública específica que vai erradicar os assassinatos, a não ser pela educação e pela punição dos crimes. Muito embora tenhamos o feminicídio como uma prática criminosa, ainda assim existe uma grande parte de pessoas que comete esse crime. O transfeminicídio vem nesse mesmo bojo, com uma grande característica de que esses crimes nem são investigados”, lamenta a presidenTRA da Antra, Keila Simpson.
A expectativa de vida dessas pessoas é outro problema alarmante, destoando consideravelmente da média das pessoas consideradas cisgênero – que é quando o indivíduo se identifica com a condição de nascimento (a menina se enxerga como menina e o menino se enxerga como menino). De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a média nacional das pessoas cis é de 75,5 anos. As transgênero vivem, em média, 35 anos.
Além da morte física, pessoas transexuais e travestis ainda têm que lidar com a falta de representatividade. Não há, por exemplo, um levantamento oficial ou confiável que revele hoje quantas e quantos se identificam de maneira diferente da que nasceram.
“Não existe nenhum dado quantitativo de pessoas transexuais e travestis no Brasil. Quem deveria ter desses dados era o IBGE e eles nunca fizeram isso, a despeito de termos feito diversas investidas. Pedimos que colocassem no censo o marcador identitário da identidade de gênero e ainda não conseguimos. Estima-se por alto o número de pessoas trans no Brasil (1,9% da população total), mas não são números reais. Então, toda vez que trabalhamos com políticas públicas, partimos dessas suposições com números que não são reais”, dispara Keila.
A falta de identificação com o corpo pelas pessoas trans também passa pelo nome. Um levantamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), feito em 2018, mostra que pouco mais de duas mil pessoas retificaram o nome nos cartórios, isso no primeiro ano da norma que possibilita essa mudança sem ação judicial ou laudo médico – agora, basta ir ao cartório para realizar a alteração.
Na opinião de Ábiner Augusto Mendes Gonçalves, integrante da Associação de Advogados pela Igualdade, o Brasil já avançou em alguns pontos nesse sentido. “Nos últimos tempos, foi retirada a transexualidade do rol de adoecimento mental pela Organização Mundial da Saúde (OMS), por exemplo. Tivemos também essa Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) que julgou a mudança de prenome pelas pessoas trans, em que elas não precisam de nenhum laudo médico nem passar pela Justiça. Já temos decisões judiciais nos estados aceitando que a Lei Maria da Penha seja aplicada para as mulheres trans, já que o conceito de mulher dado pela lei é de identidade de gênero, e não biológico e fisiológico”, elenca o advogado.
“Quanto mais visibilidade é dada para as pessoas trans, mas a sociedade se naturaliza com o convívio delas na sociedade. É importante que isso continue, que isso se naturalize realmente como pessoas dignas que elas são, como qualquer outra, para ter relacionamentos, empregos e uma vida que possa prosperar”, espera Ábiner.
Caetano Mendes, 21 anos, mora atualmente em Belo Horizonte (MG). Além de cursar faculdade no curso de relações internacionais na PUC Minas, Caetano tem ainda uma marca de roupas, em parceria com uma amiga. E ele ainda encontra tempo para estudar para o tão sonhado concurso. “Eu pretendo seguir a carreira de diplomata, mas só depois da graduação.”
Aos 15 anos, Caetano percebeu que gostava de mulheres. O que poderia ser um acontecimento natural na vida de um adolescente nessa idade, tornou-se motivo de reflexão para ele: Caetano é um jovem trans. “Aos 17 anos, tive meu primeiro relacionamento sério com uma menina e foi quando eu comecei a entender mais a relação com meu corpo, a entender melhor a relação com outras pessoas. Comecei a explorar mais meu corpo e percebi que não me identificava com certas coisas.”
Caetano se considera uma pessoa transgênero não-binário. O termo, ainda pouco difundindo e que pode causar confusão, é utilizado para denominar quem não se classifica exclusivamente em nenhum dos gêneros binários (masculino ou feminino). São pessoas que transitam entre os dois gêneros, sem necessariamente estar em um deles.
“Eu me identificava com algumas características comumente chamadas de características sexuais secundárias masculinas ou associadas a homens, como barba, peitoral liso, voz mais grave. Mas não me identifico com o conceito de ser homem”, reforça Caetano. “Eu me identifico mais com a transgeneridade do que com qualquer conceito de homem ou mulher.”
Também aos 17, Caetano comunicou aos pais que queria fazer a transição. “Tive uma resposta muito boa. Meus pais têm a cabeça aberta, a gente tem uma relação muito boa e eles me ajudaram bastante”, comemora. Como era menor de idade, os pais assinaram um termo de consentimento na época para que ele começasse o processo de hormonização. “Estou muito satisfeito comigo, com meu corpo, com as mudanças que eu fiz e com as que eu não fiz. Em questão da transição, cheguei exatamente aonde queria chegar. Apesar de hoje ser lido como homem, que é uma coisa que não me incomoda, continuo batendo na tecla de que não me identifico dessa forma”, avisa Caetano.
O relato dele é uma exceção entre vários. “Não sofri muito preconceito. Mas acho importante ressaltar que sou uma pessoa trans branca, de classe média alta e com uma família que me deu muito suporte, então eu não passei e não passo por muitas coisas que outras pessoas trans passam. No geral, tenho uma vida muito tranquila por causa da minha ‘passabilidade’, porque as pessoas me veem como homem na rua. Esse preconceito não faz parte da minha realidade”, reconhece.
Wilde Maria Ribeiro, 63 anos, é mãe de um rapaz trans, hoje com 22 anos. Ela conta que recebeu a notícia quando o filho Noah tinha 17 anos. “Ele me chamou no quarto para conversar e disse que tinha algo para me contar. Ele começou a chorar muito e logo pensei em mil coisas ruins. Foi quando ele disse que era transgênero.”
Na época, Wilde confessa que não estava muito por dentro do tema, mas tratou logo de se inteirar. “Eu pedi primeiro para que ele me explicasse e ele disse que não se sentia uma mulher, que se via como homem. E isso era desde pequeno. Ele nunca gostou de vestir roupas femininas. Eu insistia porque isso nunca passou pela minha cabeça.”
A primeira reação dela enquanto mãe foi acalmar e acolher o filho. “Disse a ele ‘estou aqui para o que der e vier. Vamos procurar ajuda e fazer o que puder para melhorar a sua vida.’ Antes disso, ele era muito fechado, não interagia com ninguém. Hoje, é outra pessoa.” A partir daí, a advogada procurou saber como era o processo de retificação de nome, correu atrás da cirurgia de mastectomia (retirada dos seios) para o filho e da hormonização. Ela integra ainda a ONG Mães pela Diversidade.
“Mãe de LGBT também é LGBT. Se é importante para ele, é importante para mim também”, crava Wilde.
Mas o psicólogo Glauber Rocha descreve um cenário diferente do vivido por Caetano e por Noah, isso para se ter uma dimensão do que a maioria das pessoas trans e travestis enfrentam hoje no Brasil. “Imagine uma pessoa, independentemente do gênero, que ouve constantemente e ininterruptamente, desde o nascimento, que ela não é bem-vinda, que o corpo dela não pertence a esse lugar e colocando em voga a sua existência. Todo ser humano que escuta um barulho desse diariamente vai apresentar um cenário de preconceito, abandono e confusão. Com pessoas trans, a coisa se torna pior”, diz.
Na opinião do profissional da saúde mental, o termo “confusão” chega a ser até problemático. “Muitas vezes as pessoas trans têm uma clara percepção de quem elas são. Elas entendem que nasceram no corpo errado. Então, quando falamos de confusão, é problemático porque a gente acaba patologizando as questões em torno da transexualidade. O abandono, o preconceito e a confusão não são inerentes das pessoas trans, são questões da sociedade em que as pessoas trans estão inseridas”, frisa Glauber. “Somos nós que as abandonamos e que olhamos essas pessoas com preconceito.”
“A saúde no Brasil, de um modo geral, é precaríssima para todas as pessoas. Mas para nós, que não existimos e vivemos à margem, é pior ainda.” Quem faz a declaração arrasadora, em todos os sentidos, é Renata Peron. Paraibana de 43 anos e vivendo há muitos em São Paulo (“já nem lembro mais”), Renata é, além de assistente social, uma “artevista”. “Sou cantora, atriz e ativista”, explica.
Ela comanda hoje o Centro de Apoio e Inclusão Social de Travestis e Transexuais (CAIS). Peron traça um panorama da situação em que se encontram pessoas trans e travestis hoje no Brasil, especialmente no que diz respeito à saúde e à dignidade da pessoa humana, direitos básicos e constitucionais.
“São raríssimas exceções as pessoas travestis e transexuais que conseguem terminar o segundo grau, que não são expulsas de casa, que concluem um curso universitário. A maioria vive na marginalidade, na rua, na prostituição. Então é óbvio que quando esses meninos e meninas vão para hospitais e postos de saúde sofrem muito mais. Não respeitam a nossa identidade de gênero, o nome, não querem deixar usar o banheiro de acordo com a identidade”, aponta.
Isso sem falar da saúde mental. A psicóloga clínica Liliany Souza lembra que pessoas trans e travestis enfrentam de forma mais dura essa batalha. “A primeira dificuldade de pessoas trans, no geral, é de acessarem o atendimento psicológico, o cuidado à saúde mental. Socialmente, essas pessoas são excluídas, marginalizadas e consideradas como corpos não permitidos de transitarem normalmente nos espaços”, pontua.
Liliany reconhece que o preconceito às vezes parte dos próprios profissionais da saúde, que nem sempre estão preparados para acolher pessoas trans, mas o conjunto de fatores agrava toda a situação. “À medida que elas chegam aos consultórios, o sofrimento emocional que elas relatam é o sentimento de preconceito, de exclusão da família, da fé. Isso fora a depressão, as crises de ansiedade, de medo, de pânico”, enumera.
O psicólogo Glauber Rocha cita mais um fator que pode impedir a chegada de pessoas trans e travestis aos consultórios de psicologia. “O atendimento psicológico é um serviço ainda muito elitizado no Brasil, não é um serviço de acesso muito democrático. Não só as pessoas trans, mas toda e qualquer pessoa que não tenha muito poder aquisitivo tem dificuldade em acessar o trabalho de saúde mental.”
Nathália Vasconcellos é uma autônoma de 29 anos. Aos 19, sentiu que algo não se encaixava muito bem na vida dela. “Foi quando eu conheci a primeira mulher trans e comecei a conviver mais com ela. Tive a percepção de que eu não era o que eu achava que era e que eu me identificava mais com essa mulher”, esclarece.
Ela conta que não foi difícil perceber essa mudança. “Foi acontecendo naturalmente. Fui entrando em transição basicamente com roupas primeiro, fui pensando em nomes e a minha ajuda foi dessa amiga trans, que me ajudou no processo de transição, para eu me entender enquanto mulher e saber como era a vida de uma trans”, relembra.
Como boa parte do público feminino, Nathália admite ainda não se sentir feliz com o corpo. “Eu me sinto de certa forma realizada, mas ainda não estou satisfeita com algumas partes do corpo. Mas me sinto realizada com a mulher que me tornei, com a mulher que eu sou hoje em dia.”
Nathália diz que cresceu e viveu quase toda a vida com a mãe – hoje ela está casada. Ela se recorda que não foi fácil para a mãe encarar a transição. “Foi difícil para ela essa questão de ter uma filha, e não um filho como era anteriormente. Agora, está mais tranquilo, quase 100% do que era antes”, acredita.
Liliany Souza, psicóloga clínica, lembra que a família pode ser decisiva nesse processo de transição e de aceitação. “As principais pessoas nas etapas de vida das pessoas trans e que praticam discriminação, preconceito e que colocam essas pessoas em lugar de exclusão são as pessoas que as conhecem. Dificilmente as famílias aceitam, por isso muitas pessoas trans vão precisar da ajuda do Estado, vão morar de favor com alguma amiga ou pessoa próxima que entenda a condição em que ela se percebe.”
As Eleições 2020 trouxeram gratas surpresas à comunidade trans e travesti. Negra, pobre e transvestigênere, Erika Hilton foi eleita vereadora da cidade de São Paulo no pleito que mais abraçou a diversidade. Foi a mulher mais bem votada em todo o País no ano passado, a mais votada pelo partido (PSOL) e a primeira trans eleita para a Câmara Municipal paulistana, ultrapassando 50 mil votos.
“Isso representa uma mudança cultural, uma disputa de narrativas colocada diante da mesa que levou São Paulo a compreender, nesse momento, a urgência de colocar esse corpo que carrega esses demarcadores, que constrói essa narrativa política social em cima do fato de ser mulher, ser negra e ser pobre a ser a mulher mais bem votada”, decreta a vereadora.
Na opinião de Erika, o cenário é de “decadência política e de um fascismo avassalador”, o que atinge diretamente a população trans e travesti. Mas pode ter sido também uma forma de as minorias no poder começarem a clamar por mudanças. “Isso fez com que os movimentos, os mais vulneráveis fossem chacoalhados para que compreendessem a urgência e a importância de darmos um contragolpe, uma resposta. Meu mandato representa uma movimentação, um caminhar para a construção de algo que faça o enfrentamento direto e contundente a essa estrutura política assustadora que tem dominado o nosso País e as nossas cidades”, clama.
Se a política tem cada vez mais pessoas ocupando espaços, o mercado de trabalho acompanha a evolução ainda a passos lentos.
“O mercado de trabalho emprega as pessoas de acordo com o nome que consta na certidão de nascimento, no RG. Nas fichas de emprego, não existe um campo para assinalar o que chamamos de marcador identitário, ou seja, a identidade de gênero das pessoas. Como não há esse marcador e as pessoas não vão colocar na ficha de emprego essa condição, não conseguimos mensurar nem quantificar quantas pessoas trans estão empregadas na formalidade ou na informalidade”, diz Keila Simpson, da Antra.
Segundo ela, o levantamento de quantas pessoas trans e travestis estão no mercado de trabalho é feito pela própria Associação e sem nenhum recurso. Porém, ela reconhece que já há um movimento positivo de empresas contratando esse público. “Que bom que a gente tem hoje no Brasil esse aspecto de muitas pessoas trans procurarem essa formalidade, coisa que muito tempo atrás a gente não via. Dificilmente você via uma pessoa trans de carteira assinada.”
Para Renata Peron, do CAIS, as empresas e a população como um todo ainda têm dificuldade de enxergar trans e travestis como pessoas. “A gente tem uma dificuldade grande de as empresas compreenderem que travestis e transexuais são cidadãos e cidadãs, são profissionais que podem trabalhar.”
Peron sugere que haja um treinamento mais intenso dentro do setor de recursos humanos, o famoso RH. “É por lá que a gente passa primeiro. Às vezes o dono de uma empresa tem uma excelente vontade de dar emprego para travestis e transexuais, mas não prepara o corpo funcional, que é justamente o RH. E quando digo treinamento não é uma vez no ano chamar uma pessoa para dar palestra, como já fiz em algumas empresas, estou falando de uma política interna de respeito.”
A presidenTRA da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), Keila Simpson, garante que, mesmo com um cenário ainda assustador, ela mantém a esperança. “Tenho 55 anos de idade e desde que me entendo por gente que me assumo travesti. Tenho uma meta de vida de ser uma travesti centenária. Se eu me enxergo assim, claro que penso no futuro. Vim de um processo brasileiro em que pessoas como eu não podiam sair de dia. Hoje vislumbro um futuro mais promissor, com mais inclusão, com mais respeito, com essas pessoas cada vez mais inseridas em diversos espaços. Mesmo com esse cenário adverso, mesmo com essa política entranhada de violência, de ódio e de exclusão, mesmo com a pandemia que está dizimando uma parcela importante da população mundial, mesmo assim é importante que a gente possa acreditar nesse futuro.”
Renata Peron, responsável pelo Centro de Apoio e Inclusão Social de Travestis e Transexuais (CAIS), também acredita num futuro, mas só após a mudança do atual governo. “Ele (Jair Bolsonaro) caindo talvez a vida melhore um pouco mais, porque eu acho que qualquer presidente que entrar não será, mas nem de longe, parecido com esse daí. É um presidente que não crê que as minorias devem ser respeitadas. E quando falo minoria falo no poder, porque não somos minoria. Com a queda desse presidente ou de qualquer outro que tenha esse pensamento, a nossa vida melhore um pouco mais. Mas nada é a curto prazo.”
Ela concorda que a data 29 de janeiro, em que se lembra o Dia da Visibilidade Trans no Brasil, é importante, mas que precisa ir além disso. “A gente não existe só nesse mês”, avisa Peron.
Caetano Mendes também tem um recado. “Quando você se encontra, se percebe e se conhece a ponto de saber quem você é, assuma isso. Isso é muito libertador. Construir a sua vida com base naquilo que você acredita, e não no que os outros vão pensar, é libertador. E foi o que senti. Muitos eram contra minha transição no começo, e poder falar que ‘sou assim’ foi libertador. A única pessoa responsável pela sua felicidade é você mesma. O melhor presente que você pode se dar nessa vida é ser você mesmo. Criem coragem e sejam quem você são.”
Nathália Vasconcellos pede que as pessoas trans não desistam do processo de transição. “Não desistam do processo, da sua vida, dos seus planos, dos seus sonhos. Vai dar tudo certo. Esperamos cada vez menos depender de pessoas cis para resolver nossas coisas. A passos pequenos temos avançados, mas que, em breve, se as deusas quiserem, possa estar tudo melhor para nós. Menos transfobia, menos violência, menos assassinato contra as pessoas trans.”
A vereadora mais bem votada na cidade de São Paulo garante que vai tentar representar e colocar na mesa todas as demandas e necessidades da comunidade. Enquanto trans, Erika Hilton deixa para trás um passado de preconceito e violência para se tornar um exemplo de que ainda há esperança. “A inserção política é um fator importante para mudas as estruturas, criando fissuras nelas até que elas venham a ruir. Porque não é normal, natural e muito menos aceitável que tratem as pessoas transvestigêneres da forma como são tratadas hoje.”